Papo de maluco
“Sou classe média, anulo meu voto desde que tirei o título de eleitor e não me iludo com a falsa democracia que aí está. Não sou puxa-saco, tenho ficha limpa, pago meus impostos em dia e faço valer o meu direito de expressão.” Aquele estranho disse isso numa velocidade e melodia que me lembraram um repente nordestino. Só que sussurrado. Não tive escolha. Parei para ouvir aquele magricelo com cavanhaque e cabelos ripongos. Usava uma camiseta com uma bandeira do Brasil sendo engolida por devastadores ambientais. Eu havia acabado de sair da zona eleitoral de Copacabana onde acompanhei a votação de um dos candidatos ao governo do Estado do Rio de Janeiro. Aquela figura que lembrava um Don Quixote hippie desandou a falar como se estivesse sendo perseguido por conspiradores.
“Acho que chegou num limite. Não dá mais para esperar a reforma política. É o que percebo após tantas celebridades toscas eleitas para as boquinhas nas assembléias legislativas e no Congresso Nacional. Não é a toa que a função foi chamada de dePUTAdo...”
Surpreso pela avalanche do desabafo, comentei:
- É uma piada de mau gosto dos eleitores que querem sacanear, ou a prova de que a ilusão dos ignorantes se superou mais uma vez. Talvez os dois! Respondi na intenção de ser simpático, afinal, é raro encontrar pessoas assim no meio daquela massa de cabos eleitorais e curiosos com maquininhas fotográficas na mão.
Continuou ele: “Que os filhos da puta se elejam, não é novidade. Mas as mães deles com nomes de frutas... Porra, aí é pra fudê. O picadeiro do circo legislativo ganhou novos horrores. E tem até analfabeto eleito por neguinho alfabetizado!!”
Pensei: Por trás disso, a implosão da família, das virtudes, a falência das escolas, os maus exemplos na mídia que diariamente realimenta os pecados capitais. Estamos colhemos o que plantamos. Lei comum à física e à religião... Me vi concordando com o sujeito!
O cara se empolgou diante de meu silêncio complacente:
“Camarada... Pão e circo conseguiram mais uma vez deixar as coisas como estavam. Apenas metade do Congresso Nacional se renovou. Vai ficar a merma merda! Os partidos de apoio ao governo atual são maioria. Aliás, pra que precisamos de mais de quarenta partidos já que as ideologias que apregoam foram pulverizadas? Dois partidos bastariam. Situação e oposição.”
De fato, as exigências para conquistar um cargo público através de concurso são enormes. Mil obstáculos. Por que não valem as mesmas regras para os cargos políticos, disse eu.
Ele foi em frente: “Aeee... Tu tá ligado! O TSE poderia exigir avaliação dos currículos acadêmicos dos candidatos. Presidente deveria ter doutorado. Governadores e prefeitos, mestrado. Deputados, pelo menos um curso superior e pós-graduação em administração pública e principalmente, ética. Eu fix minha parrrrte... Sou sociólogo, mas não labuto na parada. É coisa pra maluco!”
- Ah, sim... Mas que parada? A política ou a sociologia?
- “Parada é parada, cara. Política parada, estagnada, amordaçada. The sociology runs into the future. Bróder, o voto é tremendamente injusto. Acho que só deveria ter direito ao voto unitário, o eleitor que atendesse a uma série de exigências.”
- Como assim?
“Tipo assim... Impostos em dia, CPF sem restrições e ficha limpa na justiça. Para os demais, o voto valeria menos. A cada exigência não atendida, haveria desconto. Deflação do poder de voto. Zero vírgula nove... oito... sete... seis... Se o cara é Mané, bandido, o voto dele vale zero. É só o governo se organizar. Tipo assim... Receita Federal... Sacou? Dessa forma, os políticos seriam eleitos pelo trigo e não pelo joio.”
- Mas isso é pouco democrático. Os direitos são iguais para todos, prega a constituição.
E o magrinho foi adiante: “Nada que uma PEC não resolva. E que democracia é essa com voto obrigatório? Conversa pra boi dormir. E a boiada dorme no meio do vício, iludida, para a alegria dos ditadores aliados aos grandes grupos empresariais, patrocinadores de caixa dois. É deles o país, independente de quem venha a vencer no segundo turno presidencial. E segue a panelinha. Aliás... O caldeirão com novos ingredientes, mas o mesmo cheiro de dobradinha. Fui!”
E aquela figuraça saiu de surpresa, do mesmo jeito que tinha chegado. Minha primeira reação foi rir. Mas pensando bem, até que o cara tinha lá sua razão. O brain storm bem poderia envolver outras cabeças pensantes que repousam no ócio e se omitem diante dos nós do sistema corrupto. Pra falar a verdade, no dia em que a maioria de nossos políticos pensar como aquele sociólogo magricelo, preocupado com o bem público em vez do privado, por certo teremos um Brasil mais justo. Mas por enquanto, isso é papo de maluco.
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