Aos amigos ressurgidos


Minhas idas ao Rio Grande do Sul são rápidas, como guinadas de lambaris na sanga. Não duram mais do que dez dias, mas muito me alegram. Procuro cumprir esta revisita uma vez por ano. Na ponta do lápis... Na verdade, ainda calculo de cabeça... Somando os dias de estada nos últimos 16 anos, minha permanência acumulada em solo gaúcho não alcança seis meses. É muito pouco tempo para rever todos os amigos, ouvir com paciência sobre suas vidas, ir aos bailes gaudérios, fartar-me de arroz de carreteiro, galetos ao primo canto e churrasqueadas de carne fresca nos braseiros.

Os dias disparam como potros na cancha reta. Sempre sobra algo por fazer. Provar a cachaça-de-butiá do último verão, catar as uvas Santa Isabel da parreira herdada da vovó; reunir os parceiros poetas, cantores, violeiros, gaiteiros... Quem sabe ter mais alguns dias para realizar um antigo desejo: Reculutar os parceiros de festivais de música nativista, tocar violão e cantar milongas, chamamés, charcareras, galopas...

Os minutos fogem como codornas assustadas na beira da estrada. Os amigos partem, envelhecem, casam, têm filhos, ganham netos, bisnetos... Tal qual um alheio contrariado, cruzo a praça da cidadezinha interiorana onde vivi a infância. Encontro gurias e piás sentados nos bancos de cimento, de frente para o sol de inverno, a matear e lagartear como fizera no passado. Busco neles algum traço familiar dos contemporâneos que a pressa não me permitiu visitar ao longo dos anos. Onde andarão? Mudaram-se para outro lugar, como eu? Esqueceram-se de mim ou esqueci-me deles? Sempre que retornava destas curtas visitas ao sul, trazia na garupa, o mesmo punhado de lembranças gastas e bocado de saudades longevas.

Novamente, os segundos se evaporaram como a fumaça da geada. Mas, desta feita, o destino trocou pisada. O Patrão da Pampa de Luz, a quem sempre agradeço a graça de “ter nascido um xiru”, como cantou Noel Guarany; decidiu por bem ou piedade, agraciar-me com o reencontro de antigos amigos que há muito tempo não via. Gente de alma buena e coração grande que a arte um dia me apresentou, e da qual, o tempo, as lonjuras e os afazeres profissionais, distantes do interior gaúcho, aos poucos me apartaram. E foi um regalo dos mais valiosos, ainda mais nesses dias em que as puras riquezas abstratas pouco valem. Gracias, Bom Deus, pelos amigos ressurgidos! Palanques de cerne enraizados na pampa onde as virtudes se amarram em firmes alambrados.

Comentários

  1. Marcelo!!!! Que texto primoroso! Aliás, acho que foi isso que te disse quando começamos a trabalhar juntos,não foi? Que coisa boa ler um texto seu que não seja off..rsrs. Belíssimas fotos de Gianne também. Precisamos armar um encontro do pessoal querido. Grande beijo, da Jô.

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

    ResponderExcluir
  3. Emocionante o teu escrito!!!
    O mais legal é que o tempo não apaga os "gente finas..."
    Um grande abraço,
    Everton.

    ResponderExcluir
  4. Tem que ter alma de campo aberto para perceber o Rio Grande em todas as suas nuanças...Graças a Deus que nossa amizade (com toda a mugangada) é firmada com um laço de quatro tentos...amigo nos quatro costados. Chega quando quiser, índio véio, que o mate tá pronto e o rancho tá sempre de portas abertas para ti e tua prenda. Abr. dos Fagundes.

    ResponderExcluir
  5. Grande abraço Marcelo!!!
    Aí que eu me refiro!!!

    ResponderExcluir
  6. DÁ-LHE TIGRÃO!!! QUE A INFINITA INTELIGÊNCIA UNIVERSAL CONTINUE A SE MANIFESTAR ATRAVÉS DE TUA SENSIBILIDADE E A ESTUFAR TUA MALA DE GARUPA COM OS MELHORES RECUERDOS DE NOSSAS GENTE E COISAS.

    ResponderExcluir
  7. PEÇO LICENÇA AO AMIGO PARA FAZER UM COSTADO E QUEM SABE AMADRINHAR ESTE SENTIMENTO QUE INVADE E COICEIA DENTRO DO PEITO. ASSIM NOS DEU O DESTINO A MISSÃO DE SAIR A CAMPERIAR POR OUTRAS QUERÊNCIAS, ACUMULANDO VIVÊNCIAS, JUNTANDO EM NOSSAS REMINISCENCIAS O CALOR DE ANTIGOS MATES, DOCES RECUERDOS, AMARGAS SAUDADES, LARGAS DISTÂNCIAS QUE SE ENCURTAM NAS JANELAS DA NOSSA ALMA GAÚCHA.QUEM SABE ASSIM, MARCELO, NESTA NOSSA CARRETEADA, POSSAMOS IR DOMANDO ESTA NOSSA ÂNCIA LOUCA, ESTE NOSSO INDOMÁVEL SENTIMENTO FARROUPÍLHA, ESTA RARA CHAMA QUE EXISTE E QUE NOS AQUECE A CADA DIA, A CADA ANO QUE PASSAMOS LONGE DO NOSSO RIO GRANDE, DO NOSSO POVO, DA NOSSA MÚSICA, DOS NOSSOS AMIGOS,IRMÃOS DE INFÂNCIA, ESTES QUE BUSCAMOS NAS PRAÇAS, NAS ESCOLAS, NOS RODEIOS QUE O TEMPO LEVOU.
    GRANDE ABRAÇO MARCELO, VAMOS NOS ENCONTRAR MAIS VEZES PARA TIRAR A POEIRA DAS CORDAS DOS NOSSOS PINHOS E... UM MATE... UMA COSTELA....

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O BARCO DO SHOPPING

Diamante bruto